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Atravessando uma fase de profunda desmotivação em termos geocachianos, sobretudo causada pelo excesso e pela vulgarização das “caches” dei por mim a pensar nas razões que escolhi criar as caches que criei. E lembrei-me que dava uma série de artigos que, como tantas vezes sucede, são primeiro que tudo uma sistematização que faço para mim próprio.

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A cache Cerro de São Miguel foi a minha primeira. E fará daqui por dois dias nove anos de idade. O FTF ocorreu uma semana depois, conseguido por um geocacher britânico. O primeiro português chegou até ela cerca de um mês mais tarde, e foi o pmateus21. E desde então, foram 276 founds, 11 votos de favorito. E muitos logs, que fui lendo, primeiro com um entusiasmo pueril, depois, de forma mais rotineira até que, na realidade, parei de sequer reparar neles.

Não me recordo quantas caches tinha encontrado quando senti o impulso que quase todos os geocachers sentem mais cedo ou mais tarde. Partir para a minha própria criação. Sei que foi cerca de meio ano depois de começar a jogar, e a primeira questão que se me afigurou foi: Num raio de casa que me permita fazer manutenção, qual é o local que mais me agradou quando comecei a vir ao Algarve? E o Cerro de São Miguel foi a resposta clara. Recordo-me bem do que senti quando o carro fez aquela curva e pela primeira vez vi o mar, tão azul, lá em baixo, quase a curvar com o horizonte, dando o contorno não linear da superfície terrestre. E as terras do Algarve, a perder de vista, talvez mesmo até Espanha, para um lado, e para o concelho de Albufeira para o outro. Pus-me a contar que terras concelhias se avistavam dali… Olhão, claro, mesmo ali em baixo… e depois, Tavira, Vila Real de Santo António, para um lado, enquanto para o outro se avistava território farense, de Loulé, de Albufeira, e, nas costas, São Brás de Alportel.

Depois pensei mais um pouco. Não tanto na minha experiência pessoal ao descobrir as maravilhas do cume do cerro, nos pôr-de-sol que dali vi, na calma e nos detalhes a observar, mas mais nos aspectos técnicos. Haveria ali um bom local para efectivamente esconder uma caixa? Seria interessante trazer ali visitantes nacionais e estrangeiros? Meti-me no carro e fui até lá, em viagem exploratória. Pensei, coçei o queixo, ponderei possibilidades. E se, para fazer algo diferente, colocasse a cache naquele outro cerro menor, ali defronte de forma a levar as gentes do GPS a um ponto onde de facto nunca iriam sem esse estímulo? Acabei por descartar essa ideia, nem sei porquê. Decidi-me, no fim, por posicionar a cache na face norte do cerro, porque assumi que as vistas para o oceano toda a gente procuraria e descobriria sem ajuda, e achei engraçado estimular os geocachers a olhar com mais atenção a paisagem serrana que se estendia na direcção oposta. E confirmei de forma mais racional o meu instinto inicial: era de facto um local belissimo onde muita gente deixaria de ir sem uma “ajudinha” geocachiana. E proporcionava as melhores vistas no Algarve a seguir ao topo de Monchique.

No dia da colocação fomos por um trilho previamente encontrado… talvez 100 ou 200 m até achar que chegava de afastamento. Deixei a cache aninhada entre umas pedras, recolhi as coordenadas. Testei-as. Olhei em redor em busca de uma dica e vi que à frente passava uma cablagem aérea. Movi o container para lá e escrevi isso mesmo: “à vertical do cabos”.

A “listing” é hoje o que era nesse início de 2005, e, com naturalidade, foi-o na altura o que eram as listings dessa época: minimalistas, em inglês, como o era todo o Geocaching em todo o mundo. E pronto… ficou ali, para servir a comunidade.

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Quando entro na minha área de “field notes” reparo sempre nestas quatro entradas. Referem-se a Earthcaches que marquei como encontradas. A mais antiga, para os lados das minas do Lousal, foi visitada há pouco mais de um ano. Depois, há uma na Alemanha, em Leipzig, e as duas mais recentes foram encontradas em Istanbul em Outubro. E porquê que se mantêm por lá? Começo pela resposta curta: porque não tenho paciência para lhes escrever os respectivos logs de found. E agora, passemos à explicação detalhada.

Umas palavras preliminares. Nunca fui grande fã de Earthcaches, segundo parece, ao contrário da esmagadora maioria dos colegas geocachers. Mas eu posso explicar em duas linhas esta minha relação com este tipo de caches:

  1. Earthcaches são caches virtuais que abordam temas de geologia. Espera… mas as caches virtuais não foram excluidas do Geocaching? Foram, mas não as que se relacionem com geologia. A mim isto tresanda a discriminação. Discriminação de todos os que se dedicam e se interessam por outras áreas do saber. Se existem caches virtuais sobre geologia num geocaching onde caches virtuais foram excluidas, porque é que não se abrem excepções para caches virtuais dedicadas a História, Botânica, Zoologia e por ai em diante? Este regime de excepção desagrada-me.
  2. A grande maioria das Earthcaches apresentam-se numa linguagem técnica que tem o condão de me fazer de imediato desinteressar do que quer que pretendam ensinar. Os textos parecem saídos de manuais universitários ou livros técnicos, desadequados para leigos. Como consequência, a abordagem a estas caches passou a fazer-se como uma “obrigação”, um xarope amargo para ter direito a registar um “find”.

Dito isto, já me dediquei a encontrar Earthcaches. Umas quantas, no passado. Mas isso foram tempos que já não voltam. Eram dias em que se olhava para um mapa e em vez de uma cache debaixo de cada pedra, se viam 20 ou 30 por distrito. Depois mais, mas não em número que esmagasse. Quando era assim, a existência de uma Earthcache a 15 km era uma oportunidade de encontrar um local que prometia ser interessante e ter o prazer de escrever mais um log. Resolver as questões apresentadas, mesmo que não fosse a tarefa mais agradável da jornada, fazia-se com calma, e a coisa ia andando.

Subitamente estamos em 2013. Em querendo, encontram-se caches aos milhares por mês. Mais uma, menos uma, o que é isso… perdeu-se a noção das que existem na nossa região, não se conseguem guardar na memória todas as que se nos cruzam ao caminho. Neste contexto, o que é que exactamente me motivará a ultrapassar a lista de requisitos para logar uma Earthcache? Sim, uma Earthcache detém mesmo assim potencial para me revelar algo, para me mostrar um aspecto interessante do mundo. Mas, uma vez visitado o local, observado o fenómeno, simplesmente não encontro motivação para, chegando a casa, ir remexer apontamentos, passar fotografias, recolher os dados pedidos – por vezes mais do que o razoável dadas as circunstâncias – procurar o e-mail do owner, escrever-lhe uma mensagem, aguardar pela resposta… para quê?

A única razão que consigo vislumbrar será o reconhecimento pelo trabalho do owner. E aqui faço um mea culpa. É verdade. Mas não dá. Essas quatro caches na minha lista de Field Notes ali está para dar forma às minhas razões. Da primeira, duvido que mesmo em querendo alguma vez encontre os elementos pedidos no meio dos meus apontamentos de viagem. Quanto às outras, ainda os terei, mas mais depressa consigo escrever um artigo assim do que trato de tudo para que fiquem devidamente logadas. Por três smileys num mapa? Não vale a pena. Peço desculpa aos owners.

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Lembro-me de colocar a minha primeira cache como se fosse hoje. Foi a Cerro de São Miguel, lá para 2005. Depois foi preciso outro ano para que nascesse a seguinte, entretanto arquivada na sequência de uma acção muito infeliz da Câmara Municipal de Loulé. A partir daí foi sempre a abrir e dei por mim com mais de 25 caches activas.

Mas então perdi a motivação para continuar. Algumas dessas deixaram de existir, arquivadas pelos mais diversos motivos, e nenhuma as veio repôr na lista de caches criadas.

 Mas o que sucedeu? Bem, nada em concreto. Nunca se passou nada de determinante, não aconteceu algo em determinado momento. Foi o evoluir de uma série de elementos, que hoje tento ordenar, até para minha própria compreensão.

 Vejamos, mais ou menos por ordem de importância decrescente:

 1) A multiplicação de caches colocadas por outros jogadores, de forma mais ou menos pertinente, criou-me a sensação de que as minhas seriam perfeitamente dispensáveis perante o vigor das novas gerações, que de resto depressa cobriram todos os locais em que vagamente imaginasse ter interesse colocar uma cache.

2) O aumento de jogadores, especialmente no período de Verão (não esquecer que a minha área de acção é o Algarve) trouxe uma carga e uma pressão às minhas caches para a qual não estava nem preparado nem disposto a corresponder: a manutenção necessária para uma cache que tem 10 visitas por ano é naturalmente diferente se este número crescer para 200. E foi isso que aconteceu. De repente tinha caches a desaparecer, caches a precisar de logbooks, de material de escrita, de caixas. Tempo e dinheiro numa escala não prevista. E em vez de um log para ler de vez em quando, para ler com um sorriso, passei a ter centenas deles para rever por obrigação.

3) A transferência gradual de direitos, por parte da entidade organizadora, dos owners para os achadores, criando situações desconfortáveis, e objectivamente aberrantes. Um exemplo apenas: a língua dos logs. Para a Groundspeak, um log pode ser escrito em qualquer língua. Mas segundo os termos aceites por todos os geocachers o owner tem a responsabilidade de garantir que não existem logs com determinados conteúdos (insultuosos, racistas, etc) nas suas listings. E como o fazer se o log for escrito em sânscrito? Segundo a Groundspeak, fazendo a tradução. Por exemplo, com um Google Translate. Não é o viajante, mas sim o owner, que já teve o trabalho de criar a cache, e, por arrastamento, qualquer outro jogador interessado em ler tal log, que deve ter trabalho a fazer essa tradução. E isso é basicamente inaceitável, significa que muitos terão o ónus que poderia e deveria caber apenas a um.

4) A crescente falta de respeito de uma parte excessiva de jogadores pelas caches de outrém, manifestada, por exemplo, por: containers mudados de sitio sem razão aparente; caches deixadas ao acaso depois de descobertas, com tampas mal fechadas e/ou a descoberto; logs minimalistas ou com críticas surreais; assinaturas a ocupar páginas inteiras de logbooks.

5) A consciência de que, em abstracto e por uma série de razões cuja abordagem não tem cabimento neste breve artigo, existem demasiadas caches em Portugal, e a indisponibilidade para contribuir para o agravamento dessa situação.

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Muito bem, quantos vocês já terão ouvido falar do Largo de Kinaxixe? Alguns, poucos. Eu, por exemplo, não fazia ideia da sua existência, até ontem. Estava aqui no silêncio da noite a trabalhar no meu primeiro livro, aspirante a escritor, perdido nos prazeres da novela histórica, quando precisei de encontrar um local na Luanda dos anos 70 onde uma das personagens pudesse encontrar uma florista. Bem, floristas a sério, de loja montada, não encontrei nenhuma, mas ocorreu-me que onde há mercados existem flores.

Toca de pesquisar os mercados de Luanda nessa época, e logo se destacou o mercado do Kinaxixe. Vi umas quantas fotos, de antes e de agora, que, por falar nisso, não são nada agradáveis. O local está disoluto e não é o tipo de sítio que poderá dar prazer aos exploradores urbanos. Adiante. Servia-me perfeitamente, mas tornava-se necessário, por questões de coerência narrativa, localizar Kinaxixe no mapa. Muito fácil para quem tem memórias de Luanda, o que não é o meu caso.

As primeiras pesquisa, corridas no Google Earth, não resultaram em nada. Tentei mais um ou dois expedientes, até que apareceu, no Google… oh… mas o que é isto… uma CACHE! Chamada Largo do Kinaxixe! Daquelas que não apareceriam no Geocaching.com considerando que está arquivada desde Maio deste ano. Tinha sido criada em 2009. Pensava que os reviewers para os países africanos de língua oficial portuguesa eram os portugueses. Fazia sentido, por uma questão de linguagem, mas não. A Groundspeak aplica a lógica geográfica à questão. Foi um tal de ROTSIP que deixou o justo ultimato, depois de DNF’s que já vinham desde Setembro de 2012. E depois o owner deu-lhe um fim definitivo.

O que importa é isto. Pela primeira vez nestes anos todos encontrei um pedaço de informação que procurava no Google numa listing de uma cache. É frequente ir dar a listings de waymarks, mas nem tanto a geocaches, e nem sei porquê. Descobri a localização do mercado de Kinaxixe, que me servia às mil maravilhas, e ainda pude ler um pouco sobre ele:

“Neste largo foi erigido em 1952 o mercado do Kinaxixe. Tinha como objectivo proporcionar aos vendedores de rua (kitandeiras e outros), higiene e conforto na venda dos seus produtos. Obra do arquitecto Vasco Vieira da Costa, com  uma  arquitectura de influências Corbusianas. Esta obra é referida nas revistas da especialidade, como uma das mais importantes efectuada pelos portugueses durante o século XX.”

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Foram três dias por Lisboa, como gosto de fazer de tempos a tempos:  por vezes revisitando um passado pessoal, vagueando por ruas que outrora chamei de “minhas”, outras vezes descobrindo novos sítios, cantos escondidos de uma cidade grande, tão grande como a sua História. Ora quis o destino que ao segundo dia subisse ao bairro de Alfama, a partir do Martim Moniz, essa terrível praça que um dia se tornou sinónimo de plena tortura, quando a minha mãe me levava aos carniceiros que então se chamavam de dentistas mas que hoje certamente estariam impedidos, por ordem de restrição judicial de se aproximarem da boca de qualquer cidadão. Com o passar das décadas perdi gradualmente os traumas adquiridos nas celas daquela casa sinistra da rua da Palma, e naquele dia, ao desembocar na superfície luminosa, vindo da escuridão relativa do túnel de Metro, a primeira coisa em que pensei não foi já em seringas e alicates, mas sim no belo mural feito de mosaico, sob o qual se sentavam duas africanas de olhar perdido.

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Subi calmamente a rua de que nunca soube o nome, e que hoje é dominada por emigrantes de todas as cores. Num painel de anúncios pessoais, uma menina chinesa em picos de pés ia lendo as “novidades”. Levantei os olhos para as mensagens. Estavam todas escritas em mandarim.

Não sei porquê ia com o olhar de fotógrafo aguçado. Diverti-me, todo o dia, a tirar retratos. Alguns melhores que outros, como é costume, mas também dentro do normal, muitos com interesse, como sucede em dias assim, de inspiração. Às tantas internei-me nas ruelas do bairro antigo, onde a mixórdia de raças e línguas se dilui e se entra de novo no Portugal de sempre, das velhotas que mantêm as andanças da vizinhança sob vigilância, das varinas que deixaram de o ser por profissão mas o são por vocação e genética, chamar acesso, atrevido, que faz parar um par de estrangeiros encantados por aquele momento genúino.

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E nisto estava na primeira cache do percurso: Fado The Sound of Lisbon. A coisa estava a correr tão bem, e afinal, dali, sai com um DNF. Pudera, entre ruas estreitas que fazem o sinal tornar-se quase inexistente, a ausência de dica ou foto spoiler e o olhar curioso dos habitantes, ainda tive a coragem e paciência de procurar durante um bom bocado até decidir partir para outra. Mas o dia estava tão agradável que não seria isso que o estragaria, até porque como veremos, daqui para a frente, e até sair pelo outro lado, o do rio, já cansado e umas horas depois, foi só sucessos. De resto, aquele primeiro pedaço é precioso. O largo da Severa é uma referência incontornável da Lisboa antiga e do Fado, mantendo todo o seu charme. Pela primeira vez vi aquelas imagens de fadistas, acompanhadas e um pequeno texto explicativo, tal como haveria de encontrar ao longo de toda a tarde.

Avancei por ruelas travessas onde certamente não teria antes assente os pés, calçadas misteriosas, de pedras que muito já testemunharam e ainda terão bastante para ver. A uma porta um par de “pintas” dedica-se a negócios pouco lícitos, olhar atento, à cata de problemas. É gente local, considerando o à vontade com que vão cumprimentando os vizinhos que passam, mas nem por isso perdem aquele ar selvagem, acossado, de quem faz tudo para não acabar com os costados na choldra. Logo à frente uma velhota com algum peso a mais descansa nas escadas de uma pequena capela e faz uma grande festa a um jovem que, depois de a cumprimentar, se senta a seu lado para dois dedos de conversa.

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Na PALÁCIO DA ROSA-Largo da Rosa desafio a sorte, deitando a unha aquela cache enquanto o polícia municipal que ali guarda o material para o espectáculo dessa noite vira as costas por um segundo. Chguei a pensar que não poderia rubricar o papelinho, tirei uma imagem para registo presencial da cache. Mas já quando preparava a retirada o senhor agente fez-me o obséquio. Não só virou as costas como as manteve assim durante o tempo necessário para a rotina do costume: abrir, desenrolar, assinar, enrolar, arrumar e recolocar.

Mais à frente deslumbro-me com um mural recente, que ilustra a Lisboa antiga por onde passeio. Não falta lá nada. Está o castelo, está o eléctrico dos antigos, está o fado, está a bela da sardinhada e até os habituais disparates sobre a “troika”. E logo acima, estou na rua Costa do Castelo, que tem cache (Costa do Castelo [Lisboa]) e que sempre encerrou um mistério: será que se chama assim em honra da personagem Simplício Costa, do filme Costa do Castelo, ou se o Costa, se chamava “do Castelo” por viver junto a esta artéria de Alfama? Seja como for, muitas vezes passei por ali. Quando tinha 13 e 14 anitos, era um passeio usual, com o meu amigo André, sairmos de Alvalade, de Metro, descermos na baixa e treparmos aquelas rampas ingremes até lá acima, quando todo o complexo muralhado era um parque público, um espaço de reunião da comunidade, dos lisboetas, em vez de um porquinho das moedas da autarquia alimentado pelos magotes crescentes de turistas. Nessa altura, ao chegar à década de 80, aquele magnífico terraço do mercado estava sempre fechado, e de cada vez que ali passava deitava um olho invejoso aquela plataforma convidativa. Depois, há uma série de anos, abriu ali um agradável espaço, um café-esplanada que abriu as portas aos habitantes da cidade de algo que só viam à distância e que lhes ficou na retina depois daquela famosa cena com os Madredeus em Lisbon’s Story (1994), o memorável filme de Wim Wenders que tanto fez pela divulgação da nossa cidade e daquela banda que então crescia.

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Caminhava contornando o castelo. Ainda me ocorreu espreitá-lo, cumprimentá-lo, em honra dos bons tempos que passámos juntos, há tantos anos. Porque depois da fase das passeatas de Sábado vieram os tempos de universidade e o hábito que desenvolvi de me instalar num qualquer canto sossegado das suas ameias com os meus livros, a tomar apontamentos como se não houvesse amanhã, com toda a cidade aos meus pés, a contar-me as histórias que eram importantes nas minhas salas de aulas. Mas não. Naquele dia passaria ao largo. Aproximei-me com curiosidade da Lisbon Roman Theater Museum, porque não fazia ideia do seria aquilo. No meu tempo não havia tal coisa como um teatro romano em Alfama. Mas, contudo, ali estava ele. Meio enterrado, renascendo, redescoberto nas profundezas daquela colina lisboeta. Fiquei meio boquiaberto, com uma expressão que inspiraria o saudoso Fernando Peça a um dos seus… “E esta, hein?”.

O passeio prosseguiu, com a paragem seguinte em Miradouro das Portas do Sol e de Santa Luzia, localizado naquilo que parece ser o epicentro de todo o turismo que aflui a Lisboa. Vi aquilo, e fiquei a matutar, sem saber se havia de sorrir pelo sucesso que o país e a sua capital vão tendo no panorama turístico internacional, se triste por ver Lisboa a caminhar para um ponto de saturação, como o que há muito se vive em Praga, onde há muitos anos que os seus habitantes se sentem estrangeiros no meio da multidão de caras vindas de todo o mundo. Lembro-me deste miradouro, de tantas ocasiões mas sobretudo de uma, quando há uns vinte anos me pegou a mania das fotografias e vim até aqui testar uma lente nova, tirando uns belos retratos.

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Naquele dia, até os artistas de rua eram estrangeiros. Dois brasileiros tocavam música mesmo no miradouro, para uma audiência de turistas ocidentais. Lá num cantinho, quase a medo, um jovem português tomava um almoço rápido antes de regressar ao trabalho. A cache era mesmo ali, estive sentado a 20 cm dela, mas estava distraido com tudo aquilo, e sem pensar nela, levantei-me e fui-me embora. Ao lado, no outro miradouro que talvez nem tenha nome, outro brasileiro cantava e tocava guitarra, recebendo moedas, lá está, dos omnipresentes turistas, a grande ritmo. Não admira que sorrisse, porque a vida parecia-lhe sorrir. E foi ao ver aquele sorriso que me veio à ideia que andava ali às caches e que já estava umas dezenas de metros avançado em relação ao objectivo corrente. Toca de voltar para trás para a ir encontrar mesmo, exactamente, onde tinha estado.

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Subi um pouco, em direcção ao MOSTEIRO DE SÃO VICENTE DE FORA mas tão fascinado ia com aquelas vistas toda que andei de mais, cheguei ao arco, e quando olhei para o GPS tive que voltar para trás. Pela segunda vez num bocadinho de nada. Quanto ao mosteiro, aquilo é que foi uma surpresa. Porque se no que toca ao teatro romano tinha a desculpa de nos meus tempos de lisboeta ele não estar ali à vista de todos, já este mosteiro existia aqui. E até suspeito que foi na sua igreja que os meus pais se casaram, sei lá, para meados da década de 40. E que oásis de sossego é aquela entrada, onde vamos para descobrir a cache. Pelo menos durante os minutos que passaram antes dos turistas começarem a chegar. Entretanto ela não tinha aparecido. Peguei nas coisinhas – que tinha ali feito um sumário picnic – e preparei-me para me pôr a mexer, quando, naquela última tentativa que tantas vezes fazemos… lá estava.

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A volta estava a acabar. Era tempo de começar a descer, pela face oposta da colina. Ia encontrar o rio, deslizando pelas ruelas que considero as mais castiças do bairro, senão mesmo de Lisboa, e que só se encontram naquele flanco sul de Alfama. Apesar de lisboeta, foi preciso começar a practicar Geocaching para descobrir as maravilhas daqueles recantos e os segredos dos seus pátios intimistas. E não foi neste dia.  Foi no Inverno de 2007, perseguindo a multi-cache Alfama [Lisboa], nascida em grande em 2006, abatida ingloriamente em 2009.

E foi neste emaranhado de escadinhas e calçadas, becos e vielas, ruas e páteos, que vim encontrar a Igreja de Santo Estêvão primeiro e a Sardines/Sardinhas depois. Esta última, torna-se tão complicada devido à falta de captação de bom sinal GPS, que estava a procurar, imagine-se, duas ruas abaixo da localização certa. Não admira que mesmo depois de ligar a minha Internet móvel e de ver a photo spoiler (luxos dos tempos modernos) não desse com nada. Nem sei o que me levou a recuar aquelas duas ruas, mas assim que me aproximei vi logo as semelhanças com a imagem que tinha acabado de observar e a partir dai foi instântaneo.

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A partir deste ponto foi sempre a descer. Literalmente e também figurativamente. Porque saindo de Alfama cheguei à beira-rio e ali chegado voltei ao Geocaching de quantidade, daqueles que não suportam ver 160 m livres na quadrícula do mapa sem uma cache, e que em encontrando uma aberta têm que lá colocar qualquer coisa. Compulsivamente. Mesmo quando não há nada que ali evoque a criação de uma. Quando assim é, já cansado por um dia de calor a palmilhar ruas e locais fascinantes que me são mostrados por diligentes caches-cicerones, é chegar, olhar em redor… “olha, não encontro”, e seguir caminho. Foi assim que encerrei esta jornada com DNF’s em LISBOA , LINDA, TB e GC Hostel – Lisboa e WELCOME TO ALFAMA – ARCO DE JESUS (OK, esta última não encontrei mesmo, e pela segunda vez; e bem que procurei, mas não tenho jeito para as encontrar).  Ah, esquecia-me. Encontrei Jardim do Tabaco, outra cache que veio encher quadrícula.

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Este momento excepcional, devo-o por inteiro ao acaso. Quis primeiro que, no retorno de mais uma expedição a Tomar, tivesse decidido procurar umas caches algo fora da rota habitual. Depois, que ao sair do acesso de uma dessas, me enganasse a ler o GPS e virasse na direcção oposto. Dei pelo erro uns quilómetros mais à frente, e por essa altura já os gnomos que habitam aquela caixinha me tinham encontrado uma rota opcional. Não tinha muitos quilómetros acrescentados, e então, porque não, aproveitaria para variar e quiçá encontrar caches que de outra forma nunca seriam tentadas.

brotas-01Foi assim que cheguei a Brotas e encontrei a bela Aldeia Nova, uma cache que nos mostra uma panorâmica daquela castiça aldeia e que me deixou logo com um sorriso de satisfação pelo desvio inesperado. Ora quando me dirigia a esta cache vi casualmente uma indicação que apontava “Torre de Águias”.  E quando acabei de lidar com a Aldeia Nova, vendo qual seria a próxima cache no trajecto, aquela “Torre de Águias” (Torre das Águias [Brotas] II) voltou a aparecer-me perante os olhos. Mas era relativamente longe, e aparentemente no fundo de um caminho de terra batida que me levaria na direcção oposta à da minha viagem. Indecisão. Ir ou não ir, era a questão. E foi-se. Abençoada decisão, onde o acaso voltou a colocar o seu dedo.

O caminho era de facto longo. Talvez uns 5 km de terra mais ou menos mal tratada. Já perto, um portão. Aberto. Esperemos que ninguém o tranque na próxima hora. E então vejo-a, aquela torre. Mágico! Junto a ela, aos seus pés, um casario, aparentemente abandonado. Já estou em pulgas para sair do carro e percorrer tudo aquilo, de câmara em punho. Para esfriar os ânimos, quando chegamos ao pé da torre e estacionamos o carro, noto que a porta da estrutura medieval está trancada com um cadeado. Encolho os ombros. Mesmo assim valeu bem a pena. Louvo de novo a decisão na indecisão.

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Descobrimos que afinal existe um acesso lateral que está escancarado. Yupi! Toca a subir. Atenção, o piso pode abater se for sujeito a alguma pressão. É preciso ir com cuidado. Subo ao piso de cima através de uma escada de madeira ali colocada por alguém. E ao seguinte. E por fim estou no topo, entre ameias agora habitadas por pombos mas antes frequentadas por senhores de brilhantes cotas de malha, capacetes de madeira e metal, pontiagudos, olhos postos no horizonte.

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Olho em redor. Tenho uma vista única sobre o lugarejo, de facto abandonado, que se encontra em redor da torre. Ao contrário do que pode parecer, a estrutura nunca teve uma função militar. Erigida cerca de 1520 por D. Nuno Manuel, homem chegado ao rei D. Manuel I, era usada pelos nobres nas suas pândegas viris. Indo à caça, pernoitavam aqui, trocando histórias da montaria, partilhando uma rica refeição regada certamente com muito vinho. Veio o grande terramoto de 1755 – que tanta miséria provocou pelo Reino fora – mas a Torre das Águias resistiu-lhe estoicamente. Foi preciso chegar-se ao século XX para que a estrutura se começasse verdadeiramente a degradar, encontrando-se hoje numa situação algo precária.

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Lá em baixo, um homem conduz um tractor pela rua do lugar. Inesperado. Guarda-o escrupolosamente num barracão agrícola, monta-se numa motorizada e abala, não sem antes nos dizer para fecharmos o portão quando sairmos. Yes sir! Ficamos de novo a sós com as almas que habitam o local. Percorremos a via que lavra por entre as casas. Algumas estão em ruínas, outras, fechadas a cadeado, indiciam um certo método no abandono. Os seus proprietários terão recolhido às suas famílias ou a lares de idosos.

Foi muito depois de ter chegado a Torre de Águias que me lembrei do que me tinha ali conduzido. Ah, pois! Uma geocache. De GPS na mão segui a agulha do compasso. De início ainda procurei num sítio completamente errado, mas logo o engano se desfez e caminhando na direcção correcta, pedindo a todos os santinhos que aquela experiência extraordinária não ficasse reduzida por um DNF, encontrei a caixinha com facilidade e com um enorme suspiro de alívio. Sai um favorito!

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Uma cache a fazer, aconselhada a todos. É preciso aproveitar este local antes que as condições se degradem mais. Pode levar algumas décadas, mas pode suceder no próximo Inverno. Assim, como está, já é algo arriscado, mas mesmo para os menos ousados uma visita exterior compensa largamente todos os quilómetros necessários. O estado miserável da estrutura é compensado pela sensação de quietude, pelo isolamento, pelo silêncio.

Nota: Como o seu nome indica, a cache Torre das Águias [Brotas] II, colocada em 2011, é a segunda existente no local. A primeira (Torre das Águias [Brotas]), criada por Manelov, apareceu em 2008, e foi arquivada por razões não especificadas pouco antes da criação a actual cache.

Às vezes vejo coisas que estão menos bem, e penso que o que acabou de me passar pelos olhos foi uma excepção, mas aquela excepção segue-se outra, e depois outra. E quando olho de novo, a regra foi alterada, e o costume deixou de o ser. Pode ser uma alteração para melhor, mas no Geocaching raramente o é. E se há destas situações, de regras transmitidas de boca em boca, que tanta razão de ser tinham e vai-se a ver e deixaram de existir. Perderam-se, quase sempre naquele pedaço de tempo, quando alguém chega a um sítio novo e aprender a fazer o que vê. E se vê mal, faz mal. Cinco exemplos:

  1. Leve material de escrita. Antes, havia esta regra, ensinada desde logo aos que se iniciavam: ” – Para criares uma cache, arranjas um container, pões lá dentro um livrinho de registos, uma stashnote, algumas prendinhas para trocar e algo para que os visitantes escrevam o log.
    Pergunta do iniciado: “- Então, mas e quiser colocar a cache num sítio onde há muita gente e onde não há espaço para colocar uma caixa onde caiba isso tudo?
    Resposta: “- Em vez de um um livrinho de registos, pões uma série de tiras de papel enroladas, e arranjas um stashnote com letras pequeninas e colocas no mesmo formato. Os brindes esquece. Arranjas um lápis e corta-lo à medida.
    Questão seguinte: “- E se o que eu quiser mesmo é criar uma daquelas muito engraçadas, muito pequeninas, que mal se conseguem ver e que parece que se chamam nano-caches?
    Resposta: “- Então pões mesmo só um papelinho muito bem enrolado para que as pessoas coloquem o seu nome e data de visita“.
    O que se seguiu, já se sabe. A febre das quantidades espalhou-se como um vírus, e de repente já não era suficiente criar uma cache com amor de mãe, estrategicamente posicionada num local pleno de interesse, no ângulo mais adequado para que o achador a manuseie. Não, geocacher que se preze passou a criá-las à centenas, e, já se vê, isso de arranjar stashnotes e prendinhas e logbooks e caixas e lápis cortados à medida, tudo à centena, são coisas que dão demasiado trabalho e custam dinheiro. Então, o tal geocacher corta em tudo o que não é exigido à luz das guidelines. Resta o logbook. Uma micro com um papelinho enroladito lá dentro. É nisso que consiste a grande maioria das caches urbanas. Vim de três dias a cachar em Lisboa. Encontrei cerca de 60 caches. Todas, e repito, TODAS, assim. Quando e porquê a regra não-escrita que existia para nano-caches se alargou a micro-caches e mesmo a tamanhos maiorzinhos?
  2. Coordenadas à Toa. Num jogo em que uma das poucas regras básicas é que se vai usar um GPS para encontrar algo nas coordenadas fornecidas, seria de esperar que existisse algo para encontrar nas coordenadas fornecidas. Mas muitas vezes não é assim. Não estou a falar de caches desaparecidas ou das que nem foram colocadas a tempo e horas. Estou a pensar é naquelas que estão afastadas das coordenadas que o owner indicou. Pessoalmente, o maior desvio que encontrei foi de cerca de 200 metros. Mas há histórias de casos ainda mais radicais. Vamos lá ver… toda a gente se pode enganar a tirar coordenadas, não é isso que está em causa. A questão é que existia o bom hábito de, quando se ia encontrar a cache significativamente distante do ponto indicado, providenciar as coordenadas correctas no log de Found It. Com toda a naturalidade. Não é um spoiler nem uma falta de respeito a ninguém. Muito pelo contrário, é um sinal de respeito e um acto de interajuda. Está-se a evitar que o colega seguinte ande para ali às aranhas sem necessidade nenhuma. E, eventualmente, está-se a fornecer os dados correctos para que o owner acerte as coordenadas indicadas. Mas não. O bom hábito de fornecer os dados correctos foi substituido pelo absurdo de logs assim: “Fui encontrar o contentor a 25 m de distância, depois de procurar durante quase uma hora”. Ué!? E cadê as coordenadas? Alguma razão válida para não serem partilhadas? Já me disseram que era para não ofender os owners. Fiquei a coçar a cabeça, sem conseguir distrinçar onde estaria a ofensa.
  3. Dois Dedos de Conversa. Lembro-me da primeira vez em que encontrei um outro geocacher em acção. Aquilo foi uma festa. Nem sabia que era possível. Depois desse dia tive outros encontros, e sempre batia dois dedos de conversa, falava-se sobre o jogo, por onde é que se tinha andado, para onde se ia, e às vezes partia-se mesmo dali para uma cachada conjunta. Depois, estive uns anos ausente, passei pouco tempo em Portugal, e quando estava andava por áreas com menos jogadores. Durante muito tempo não encontrei ninguém. E quando voltou a acontecer fiquei chocado. O outro tipo parecia que em mim reconhecia apenas a existência de outro animal de duas pernas. A partir daí a história repetiu-se, com variantes. Desde gente que aparentemente fazia questão em não deixar sair uma palavra que fosse, até aos que fugiam como se tivessem visto o demónio. Na melhor da hipóteses um “boa tarde” e dá cá o container que tens na mão para eu logar também. E pouco mais do que isto. Perdeu-se o hábito de se gastar 10 ou 15 minutos à conversa quando se encontra um companheiro de hobby. Talvez seja da pressa para partir para a próxima cache, ali ao virar da esquina…
  4. Não vamos colocar a cache em risco, boa? Ainda há aqueles que têm um respeito cauteloso aos muggles, mas o vento está a mudar. Cada vez mais ouço relatos e testemunho pessoalmente variantes desta infeliz situação: um grupo de pessoas aproxima-se do local de uma cache, um deles de GPS em punho, espalhando-se a pequena multidão em leque, grande alvoroço, com crianças que berram: “Aqui não está!”… “Vejam lá se está aqui”. E, enquanto se encavalitam em bancos e trepam a pilares, chamam a atenção de cada muggle num raio de centenas de metros, até ao grande apogeu: “ENCONTREI! TÁ AQUI!”. E a campeã sai de um canto com a cache na mão, mostrando-a a todos os outros (e, claro, a quem quer que não tenha ficado indiferente à algazarra), que começam a rodeá-la. Isto, é meio caminho para que uma cache seja destruída por alguém mais desconfiado, mais malicioso ou com mais medo do desconhecido. Sem necessidade. Apenas porque se está a perder o hábito da discrição na procura.

E vão 9

Há coisas do caneco. Estava aqui a rever umas coisas no blog, a dar uns toques na formatação dos textos, e abro um artigo de há três anos, dedicado ao meu aniversário enquanto Geocacher. E pensei para com estes botões… “Deixa cá ver em que dia é este aniversário, pode ser que me dê os parabéns a mim próprio outra vez quando for a ocasião…”

E começo a ler e é isto que encontro: “Seis. Seis anos. Faz hoje precisamente seis anos que me registei no Geocaching.com e pouco depois caia a primeira cache. Foi precisamente a 31 de Julho que encontrei a 16 (silly name, isn’t it?) [Loulé].”

Espera! 31 de Julho! Mas 31 de Julho é hoje. Que coincidência incrível! Ironicamente não me ocorre nada para dizer. Sinto-me como o aniversariante que se levanta de copo na mão, enquanto a multidão entoa a cantilena… “discurso!… discurso!… discurso!…”. E depois, não sai nada. Bem, uma coisa é certa, se hesitava em ir até Faro à Geomariscada, fica já decidido. É a pequena excentricidade do dia.

A estória de hoje, tal como a de uma vida, inicia-se em Alvalade. Estamos nos idos de Julho, apesar do tempo não estar especialmente quente. Saio de casa, passo a praça de Alvalade e chego à Reis de Portugal #08 – D. Pedro I. Foram centos de vezes, as que vi aquelas pedras de calçada, aquela escolinha primária de outros tempos, ainda activa, servindo geração após geração. Os meus irmãos, lá para meados da década de 50, aprenderam ali a ler e escrever. Eu, não. Mas entrei nas instalações um punhado de vezes, quando nos meus dezassete anos devorava quilómetros de pista ao serviço de um pequeno clube de atletismo que tinha um protocolo com a escola para usar o seu ginásio.

O destino seguinte é um dos segmentos da rua das Murtas, aquela via que abraça o antigo Hospital Psiquiátrico Júlio de Matos, seguida diariamente e desde há décadas por condutores apressados, a caminho ou de regresso dos seus postos de trabalho, muitos sem sequer fazerem uma ideia do nome da rua. Mas eu sei, porque não só segui os seus passos como vivi ali a umas centenas de metros. E a primeira vez que me recordo de ter pisado o seu passeio foi muito, mas mesmo muito tempo antes de uma comunidade de ciganos ter ali assentado arraial para não mais sair, hoje instalados num par de edíficios para si construidos ao bom estilo de habitação social.

O que eu não sei é do que tinha mais pavor: se, uns anos mais tarde, de ver o meu carro avariar-se defronte dos olhos expectantes da “ciganada”, se nos primórdios, quando descobri que o que se encontrava no final da passeata à qual a minha mãe me conduzia pela mão era uma freira endominhada com uma seringa na mão, aguardando para ma espetar nas tenras carnas em nome de uma saúde que eu não compreendia. E foi ai, à beira desse tenebroso convento – mais sombrio ainda para um meu irmão que estudou ali em regime interno no início dos anos 50 –  que fui encontrar a Reis de Portugal #16 – D. Sebastião.  Uma daquelas caches que apenas coincidentemente desempenhou um papel mais interessante do que o de adicionar um “found” à contagem dos que ali param o carro à beira, naquele local desolado sem eira nem beira.

Seria ali que o meu plano me levaria para um traçado mais convencional, de regresso à Avenida do Brasil e a outras paragens. Mas havia caches ali tão perto… a tentação, a imensa tentação…  porque não desafiar a sorte e encontrar uma passagem que servisse o raro trânsito de um peão naquele emaranhado de vias rápidas e acessos que abraçam a Segunda Circular? E a ALTA DE LISBOA ali tão perto. E depois, mais outra, logo acima. Ficou decidido. O dia ia decorrer de forma bem diferente do que o esperado.

Ao aproximar-me daqueles enormes letras… ALTA DE LISBOA… senti-me transportado para diferentes níveis do passado, em simultâneo. Fui até meados dos anos 80, quando tantas vezes conduzia o meu Ford Cortina 1600 GT por ali, por estradas que já não existem, demolidas pelas fabulosos obras de urbanização deste mega-projecto frustrado. E até finais dos anos 90, quando me foi encomendada a elaboração do primeiro website dessa Alta de Lisboa que então existia apenas no papel. Enquanto trabalhava pela noite dentro, com os planos das primeiras urbanizações das quais me recordo apenas do romântico nome de Quinta das Conchas, estava longe de imaginar que tinha entre mãos a génese do monstro que iria destruir uma vasta parte de Lisboa tal como eu a conhecia. Aquelas quintas centenárias, os campos sem fim, e também os menos charmosos bairros de lata da Musgueira. As ruas e estradas que dominava como a palma da mão, em breve seriam substituidas por vastas alamedas usadas por quase ninguém, vítimas do colapso demográfico que já então se devia adivinhar, consequência dos hábitos da vida urbana de passagem de século e do corte no fluxo do meio rural para a grande cidade em consequência do esgotamento dessa matéria-prima que são as pessoas com energia e interesse em mudar de vida.

Caminhei em direcção à Quinta da Musgueira Sec.XVIII com a surpresa do testemunho no terreno daquilo que já conhecia da fotografia aérea. Esta nova cidade, materializada ali como que por artes mágicas aos olhos de quem deixou passar uma década e meia sem uma visita. A Quinta da Musgueira teve um impacto sobre mim. Que coisa mais bizarra aquela, um pedaço do passado cristalizado no meio de um futuro suspenso que provavelmente nunca será. Aquele pórtico, encimado por esferas de pedra que já tanto viram e que agora dizem bom-dia a cada nascer do sol às torres fajutas que as rodeiam. Posso imaginar os tempos dificeis que tiveram os proprietários da quinta durante os tempos de ouro das barracas da Musgueira, que testemunhei e vivi. Recordo-me de uma noite, ainda antes de ter um carro que pudesse conduzir, em que eu e um par de amigos perdemos o último autocarro da Charneca para o Campo Grande, e que, portanto, tivemos que nos fazer à estrada. Ao chegar à central da Carris da Musgueira pensámos poder apanhar um qualquer autocarro perdido que se movesse em circulação irregular. Enquanto esperávamos defronte da cancela, começaram a chover pedras, vindas de um alto que ainda lá está (ou foi rebaixado ou a memória de um momento de tensão o tinha avolumado), arremessado por habitantes de todos os tamanhos e idades, impulsionados por ódio social e sentido territorial. Concentravam-se defronte do bar ou sede do glorioso Águias da Musgueira, e privados de outra actividade desportiva, practicavam agora o arremesso de pedra aos desconhecidos-claramente-de-bairros-priviligiados.

Mais ou menos deste ponto partiu o apedrejamento da Musgueira

Mais ou menos deste ponto partiu o apedrejamento da Musgueira

Na minha ingenuidade, pensava que a Alta de Lisboa era um bairro moderno entregue a gente de bem, filhos de uma classe média e média alta, como indiciaria a localização central e a construção recente dos edíficios. Uma espécie de Parque das Nações em segunda versão. Afinal já tinha estado na Quinta das Conchas e mais coisa menos coisa foi esse ambiente que ali fui encontrar. Mas afinal não. Há também uma face negra na nobilissima Alta de Lisboa, e senti-a ainda antes de a penetrar. Aquelas sentinelas na extremidade de cada rua eram afinal as mesmas, umas gerações à frente, que se posicionavam nos acessos do bom velho bairro da lata. Hesitei quase imperecetivelmente antes de continuar a caminhada, mas afinal os anos de experiência ensinaram-me bastante sobre sentir os ambientes e lidar com eles. Longe vão os tempos em que a menção a Musgueira se equiparava à promessa do Inferno na Terra.

Passei por aquelas ruas onde se aglomeravam idosos reformados e jovens entregues a actividades pouco lícitas. Carros de aspecto suspeito, crianças ranhosas, ciganos de reputação duvidosa, casas envelhecidas precocemente, lixos acumulados nos campos, tudo isto enquadrado por restos do mundo anterior. Já o Águias da Musgueira evoluiu bem, com um complexo desportivo de fazer inveja a muita gente, campo de relva sintética que faz esquecer o pelado de outros tempos.

Quando me afastava, um jornal passou por mim, esvoaçando, uma versão para pobres daquele saco de plástico de American Beauty, e enquanto se afastava, sorriu para mim, e mostrou-me o que tinha a dizer, em paragonas de primeira página:  “Desilusão, Tristeza e Lágrimas”.  Como é que aquele objecto inanimado definiu daquela forma genial o momento e as redondezas, no seu passado, presente e futuro?

Apanhei o jormal mais à frente, quando recuperava fôlego dos volteios no ar.

Apanhei o jormal mais à frente, quando recuperava fôlego dos volteios no ar.

Sai pelo outro lado, já muito perto da RSB Aeroporto – Fire Department/Bombeiros, e reparei com surpresa que estava a pisar o asfalto da movimentada estrada que nos meus tempos vinha desde a Segunda Circular e servia todas aquelas populações e outras adiante. Hoje practicamente não tem trânsito, usada apenas por aqueles que se deslocam às ruas desoladas na nova Musgueiras que há-de ter um nome pomposo como Quinta-Não-Sei-Das-Quantas. Foi uma surpresa das grandes e das tristes. Que saudade daqueles tempos que foram de ouro para e estrada e para o cronista.

"(...)  a pisar o asfalto da movimentada estrada que nos meus tempos vinha desde a Segunda Circular e servia todas aquelas populações e outras adiante. Hoje practicamente não tem trânsito."

“(…) a pisar o asfalto da movimentada estrada que nos meus tempos vinha desde a Segunda Circular e servia todas aquelas populações e outras adiante. Hoje practicamente não tem trânsito.”

Por fim a mencionada cache. Colocada, creio, junto ao local onde existiu uma virtual que foi das primeiras de Portugal, lá para 2002. E do sítio onde se desenrolou um dia um pequeno drama pessoal, uma relação de sete anos de idade terminada ali mesmo, num descampado que se estendia um pouco mais em direcção às pistas do aeroporto e que como tantas outras coisas destas paragens desapareceu para dar lugar a algo diferente.

Nem queria acreditar que tinha caminhado até ali. Eram quase 5 km, sabia-o bem, de outros tempos, olhos postos no conta-quilómetros quando a gasolina, se bem que infinitamente mais barata (0,30 Eur) tinha um custo real muito superior, um luxo reservado para dias especiais. Estava agora a entrar na Charneca, e ia encontrar na LISBON AIRPORT- Plane Spotters 17 um pouso muito curioso, nunca canto nunca explorado, por estranho que me parecesse. Uma vista gloriosa para os aviões, com direito a um trio de poltronas improvisados. Mas foi um triste DNF, o que me motivou para a multi-cache Parque do Amor que já tinha colocado de fora das intenções, por ser demasiado longe e por ser uma multi-cache. Mas afinal era já ali à frente, e assim como assim, já que o dia não tinha começado por seu uma caçada às memórias para tinha por ai evoluido, porque não palmilhar mais uns quilómetros e abrir o bau maior.

Uma das poltronas improvisadas, para ver os aviões passar.

Uma das poltronas improvisadas, para ver os aviões passar.

Charneca. A inesquecível Charneca. Aquela relação, terminada aos sete anos de idade, mencionada ali atrás, vivia, por assim dizer, por aqui. No Bairro dos Sete Céus, um pouco escondido de quem passa por este espaço. Quantas noites me viram por aqui andar, vindo de um serão, à vez cheio de paixão, de sonhos e de expectativas, de descoberta mútua e conversas sem fim… outros eram serões de arrufos, de discussões vindas da inevitável colisão de personalidades, de medos, inseguranças e ciúmes. Mas a memória é assim, benévola, e mesmo esses momentos de raiva lhe ficam marcados com uma saudade….

As noites daquele primeiro Verão, o de 1984, são as de mais doce memória. Às vezes vinha sozinho, outras, com o Augusto ou o Tó Maia; a namorada do primeiro também ali vivia, e a do segundo era amiga inseparável das outras duas, de modo que se formava ali um grupo com pouso pontual nos Sete Céus.

Nos anos 80, e provavelemente nos 90, não havia tal coisa como um Parque do Amor. Eram terrenos baldios, que se atravessavam por um ou dois trilhos bem pisoteados pelos que iam de casa para a paragem de autocarros e de regresso. A tempos, viam-se ali festas de casamento cigano que duravam dias a fio.  No bairro junto ao vértice mais distante do agora Parque, constituido por três ou quatro torres vivia um casal-modelo que eram, de forma mais pontual, parte do grupo: o Timóteo e a São.

Percorri aquele espaço tão bem requalificado, recolhendo os elementos para resolver a multi-cache. Correu tudo bem, e enquanto ia para cá e para lá, ia desenvolvendo aqueles “flashbacks”. Ouvia o assobiar expedito daqueles autocarros – os “laranjas” – que faziam a rota 1 e 17. E sentia-me a entrar e mandar-me com pompa para o melhor lugar disponível, preparando-me para uma viagem alucinante, como sempre o eram aquela hora, até Alvalade ou lá perto. O via-me sentado ali à beira, olhando para o relógio pela centésima vez na última meia-hora, esperando, sempre, por ela, que mais uma vez estava atrasada, e da emoção de a ver chegar, com aqueles olhos rasgados de chinesa que não era, e o enorme sorriso.

 A cache foi encontrada com sucesso. Estava naturalmente cansado, e sabia que tinha o caminho de volta à minha espera, ainda com mais umas quantas a que deitar unha. Mas não consegui resistir. Estava ali tão perto, tinha que ver, pela segunda vez desde há vinte anos, aquele bairro que quase foi a minha casa durante tanto tempo.

Atravessei a Azenha dos Milagres, que era uma passagem estreita, claustrofóbica, dominada por uma pela casa apalaçada, a Quinta dos Milagres. A casa ainda lá está, em surpreendente bom estado, mas o muro do lado oposto foi todo derrubado, e agora aquela atmosfera opressiva de quem corria perigo só por lá entrar desvaneceu-se. Mais flashbacks, de nada em especial, para além de mim a lá passar vezes sem conta. Uma vez, no dia em que regressei dos meus testes para admissão aos pára-quedistas,em Tancos, meti ali o carro, como costumava fazer. Mas vinha alguém em sentido contrário. Tive que recuar e raspei a pintura toda. Foi violento e ficou-me na memória.

Dou de caras com as sete ruas dos Sete Céus, trepando aquela colina que ali está desde sempre. No seu sopé, o campo da bola do Charneca está reduzido a uma ruina sem fim. Vejo o primeiro patamar, onde numa noite de santos populares eu e os meus amigos tivemos que enfrentar mais um extremo de territorialismo da rapaziada local, dessa feita terminando tudo em bem, entre abraços e convites para experimentar as sardinhas.

Subo o eixo principal, o que dá acesso a todas as ruas do bairro, imaginando sem na verdade saber o que iria encontrar no topo. Onde me lembrava de ver campos sem fim, há agora casas e urbanizações igualmente sem fim. E para todos os lados. Todas aquelas tardes preguiçosas no terraço do primeiro andar, nas carícias e abraços dos doce dezoito anos, não poderam ser hoje o mesmo… de novo, a bucólica paisagem marcada por campos e quintinhas deixou de existir. A ilha de paz que era o bairro dos Sete Céus transformou-se num castelo cercado. A perder de vista existem torres residenciais e o asfalto cortou de morte a paisagem natural que ali estava antes do virar do século.

Decidi passar em frente da casa. E ia pensando o que seria daquela gente, dela e da irmã, e dos seus pais. Queria tirar uma fotografia da casa, nem sei porquê, talvez para ter uma memória visual para abraçar em dias de especial nostalgia. Mas de repente, aconteceu algo surpreendente: um senhor conversa com um grupo de pessoas que está na varanda de uma casa, e naquele segundo vejo-a e não posso compreender como ninguém mudou… nem ela, nem o pai, ao seu lado… as outras pessoas já não pude ver, porque quis passar anónimo e se olharam para mim e não me reconheceram, vinte e tal anos depois, não quis desafiar a sorte e passei à distância, captando uma nota solta daquela voz que nunca será esquecida.

O encontro deixou-me abalado. É violento, quando estamos placidamente a visitar o nosso passado, e sem aviso o passado transforma-me em presente, e tudo se confunde, deixa de fazer sentido. As referências ficam invertidas, há uma intrusão, um choque de mundos. É como passear por um museu e num instante os figurinos e tudo o resto ganhar vida.

Nós, há muitos, muitos anos atrás

Nós, há muitos, muitos anos atrás

Durante um par de quilómetros caminhei distraidamente, de forma automatizada, sem mais nada ver e com o pensamento desordenado, fazendo um esforço para repôr as coisas nos seus lugares naturais. Acho que não o consegui, nem mesmo à medida que encontrava as caches Avião vai, Avião vem…, L.N.E.C., Parque Desportivo São João Brito e Antigas Instalações Emissora Nacional/RDP. a caminho de casa. Foi preciso chegar a noite, e os sonhos, para a mente reganhar alguma ordem e acordar no dia seguinte, já com o passado que na véspera se tinha transformado em presente de novo na sua posição devida… lá está, a de passado, mesmo que um passado com apenas umas horas de distância.

Antes de mais, tenho que esclarecer uma coisa: não acredito nisto dos Prémios GPS. E por duas razões, a primeira, pessoal, é que as caches que me dão mais gosto não são as que andam nestas andanças de nomeações; contentores XPTO dispenso-os bem, sobretudo quando contribuem para complicar o que deveria ser simples – o achamento, e depois, as caches ditas “de aventura”, que são aquelas que deviam ser chamadas de caches “de partir o pescoço”, também as evito, quanto mais não seja porque gosto de levar ao máximo as probabilidades de acordar no dia seguinte com o pescoço no lugar. O segundo motivo é mais lógico e racional: o país é finito e já está cheio de caches. Se há uns anos havia muitissimos locais divinais à espera de receber uma cache que levasse os jogadores a descobri-los, hoje a saturação faz-se sentir. Cada vez mais as marcas a bater são os tais containers e o grau de periculosidade. Não há volta a dar: as caches novas em sítios de grande interesse são cada vez mais escassas e tendem a acabar.

Mas eles estão ai, os Prémios GPS, e porque não participar? Leva uns poucos minutos, não custa nada e não faz mal nenhum. O pessoal da GeoPT engedrou um bem pensado mecanismo, bastante funcional, que permite uma votação sem problemas. Quando vejo a lista das caches a votação (não as nomeadas, mas aquelas em que, tendo-as visitado, posso efectivamente votar) tenho a confirmação do meu cepticismo. Algumas, nem me recordo delas. Outras sim, despertam-me um sorriso quando remexo nas minhas memórias, mas nenhuma, absolutamente nenhuma, se consegue comparar às grandes caches que ao longo destes últimos 9 anos fui encontrando. Vejamos:

Nr 1 – Limeira [Ghost village] (Faro); muita gente sabe que me pelo por vestígios de uma vida ida. Adoro sentir os “fantasmas” que habitam estes locais, imaginar vidas que foram, cheias de alegrias e agruras. Muitas das caches que mais me entusiasmaram foram encontradas em sítios assim. E a Limeira, localizada não muito longe de uma estrada que uso bastante, foi uma surpresa absoluta. Ali viveu uma comunidade, sabe-se lá durante quantos séculos. E hoje, é apenas lar para o vento que vai uivando, vergando as ervas secas que estão onde antes provavelmente se encontrava cereal. Aconselha-se uma visita num final de tarde cheio de sol. Aquela paisagem, devastada em 2004 pelo enorme incêndio que lavrou por toda a região, vai-se regenerando, e oferece um panorama deslumbrante.

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Nr 2 – Heróis,Vilões, Justiça / Heroes,Villains, Justice (Lisboa); Quem estudando um mapa observe a sua localização, sem mais nada, não terá expectativas nenhumas. Mas o gosto está mesmo em chegar lá sem saber bem o que se vai encontrar e dar com aquilo. Foi o que me ac0nteceu, e como sempre, quando as expectativas não são elevadas, a surpresa tem mais impacto. O que posso dizer deste local, eu, que sou fã de banda desenhada e adoro um bom mural? Fez-me lembrar as caminhadas por Bruxelas, de GPS na mão, procurando os murais dedicados aos heróis da banda desenhada belga, espalhados pela cidade. Aqui, estão todos reunidos, num banho de côr e vida bidimensional. À espera do feliz geocacher que se deslocar até lá.

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Nr 3 –  O Sr. Polícia (Santarém) ; sabia à partida que se tratava de uma daquelas caches de container XPTO. Em princípio evito-as, mas aquela estava ali à beira da estrada onde forcosamente ia passar. Ia decidido a dar-lhe os cinco minutos que [quase] sempre é o “budget” de tempo que dedico a cada uma. Mal não havia de fazer. Mas afinal, foi chegar e encontrar. Nem 10 segundos. Assim sim. É verdade que visitar aquele local não me trouxe nada de novo. Mas mesmo assim ganhei um sorriso fugaz mas saboroso.

Nr 4 – Georibatejo (Santarém); tudo o que escrevi para a Nr 3 poderia repetir agora. Mas com algumas vantagens para a Georibatejo (Santarém): o container não será tão elaborado, mas pelo menos oferece um pequeno passeio campestre, passando-se junto a uma antiga estrutura – uma vacaria, se bem me lembro – que pode ser explorada. Há também um pequeno desafio para encontrar o acesso correcto. Também aqui a cache foi encontrada de imediato, mas mais não posso dizer sob o risco de cometer o crime de “spoilerismo”.

Nr 5 – Ermida de Santo António (Beja); esta cache, localizada em Almodôvar, exigiu duas visitas antes de ser encontrada. Afinal, estava escondida exactamente como pensava que estaria, mas por alguma razão estranha não a detectei aquando da primeira deslocação. Às vezes, como a minha mãe dizia, parece que o Diabo nos tapa os olhos. Terminei a expedição com uma pintura de carro riscada – porque diabo aquele poço se encontra no meio do asfalto? – mas gostei do local, da pacata ermida quase abandonada, nos limites da cidadezinha. Agora, sinto que esta cache só foi escolhida por mim porque não há mais nada melhor para escolher. Não posso dizer que seja especialmente interessante. É apenas uma das muitas caches simpáticas que encontrei no decorrer do último ano.

Nr 6 – Praia da Marinha – Lagoa (Faro); como sabemos, pelo menos os que conhecem o Algarve, a região é na realidade uma praia contínua interrompida aqui e acolá por arribas e falésias. Ou seja, tecnicamente resulta em centenas, literalmente falando, de praias. Com a saturação geral de que o Geocaching padece a todos os níveis, também nestas pelas praias as caches se multiplicaram. São agora às dezenas, e não posso dizer que me empolgue especialmente encontrar mais uma cache em mais uma praia algarvia. Tal como na escolhida para nr 5 acabei por assinalar esta por falta de melhor escolha. Reconhecp-lhe um mérito superior à da maioria daquelas muitas caches atribuidas a cada praia da região. Implica um esticar de pernas num percurso de extensão bem equilibrada, que visitei com um amigo de Malta que acolhi por uma semana em minha casa. Gostei dos painéis interpretativos da flora e da fauna local, e de descobrir que existe ali um percurso pedestre devidamente marcado.

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